O Carmelo de Santa Teresa de Coimbra, na sequência das determinações da Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado, O.C.D., a qual deixou o seu arquivo a esta Comunidade, vem tornar público a constituição de um grupo de trabalho exclusivamente designado para a conservação e organização arquivística deste fundo documental, o qual dará também o seu apoio às futuras publicações que serão planeadas e coordenadas pelo Carmelo de S. Teresa, tendo como suporte documental os fundos arquivísticos que nele se preservam.
A Irmã Lúcia de Jesus, que professou neste Carmelo em 1948, e nele viveu 57 anos, satisfez o pedido de Nossa Senhora encetando o movimento de divulgação da Mensagem de Fátima a partir da escrita: Memórias, Apelos da Mensagem de Fátima, Como vejo a Mensagem através do tempos e dos acontecimentos (títulos publicados), escritos pessoais (inéditos) e correspondência variada trocada entre as mais diversas entidades, quer eclesiais, quer civis ou familiares e devotos de todo o mundo.
Este Carmelo entendendo ser seu dever a divulgação dos escritos inéditos ou não, nos quais a Irmã Lúcia tenha sido interveniente direta ou indireta, essenciais ao estudo da Mensagem de Fátima e da vida e obra da Irmã Lúcia, toma a seu cargo, tal como o fez a confidente de Nossa Senhora, a continuação do seu trabalho.
A pertinência deste projeto, no momento, reflete todo o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido no âmbito da Causa de Canonização da Serva de Deus Irmã Lúcia e a evolução da mesma.
Este grupo de trabalho estrutura-se em direção, coordenação arquivística e consultadoria, tem como um dos pilares fundamentais e linha condutora do seu trabalho, o próprio entendimento que a Irmã Lúcia tinha sobre o seu espólio arquivístico, considerando-o como prova de fé!
Coimbra 13 de outubro de 2020
Carmelo de S. Teresa
O Arquivo Irmã Lúcia: um marco de memória histórica
A vida pública e secular da vidente de Fátima Lúcia de Jesus Rosa dos Santos foi curta e essencialmente marcada pelos acontecimentos da Cova da Iria. Esse período é bem conhecido e situou-a como uma figura de destaque, facilmente reconhecível e muito solicitada, numa sociedade católica que começava a enquadrar Fátima no seu horizonte religioso.
Será na vida consagrada, parcial ou totalmente em clausura, que transcorrerão a maior parte dos seus dias; um modo de vida retirado, sobretudo de um contacto potencialmente esgotante com o número crescente de devotos de Fátima, mas que não foi uma vida ausente do mundo.
Como irmã Doroteia (1925-1948), mas principalmente como religiosa Carmelita Descalça no Carmelo de Coimbra (1948-2005), onde recebeu o nome de religião de Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado, a Irmã Lúcia desenvolveu uma intensa actividade em prol da divulgação da mensagem de Fátima, ao mesmo tempo que desenvolvia todo o seu percurso espiritual na relação pessoal com o transcendente.
O interesse do mundo por Fátima e pela Irmã Lúcia, e o desejo desta de cumprir com o encargo que assumira de divulgar a mensagem de Fátima e da sua proposta de conversão individual, deu origem a um intenso labor epistolar da sua parte, ao não deixar de responder a milhares das cartas que recebia.
Associar esta produção documental epistolar a outras tipologias da sua produção escrita, como os seus diários e outros escritos pessoais, permite-nos compreender o que já foi afirmado da Irmã Lúcia de Jesus como uma das mais prolixas escritoras portuguesas do séc. XX.
A quantidade de documentos recebidos e produzidos pela Irmã Lúcia, e que são hoje conservados e posse do Convento de Santa Teresa de Coimbra, tornam-se assim importantes pela sua representatividade numérica enquanto forma de um significativo arquivo pessoal.
Paralelamente, o Arquivo Irmã Lúcia (ou seja, o conjunto dos documentos produzidos ou recepcionados pela Irmã Lúcia) destaca-se pela relevância eclesiástica, política, económica, social e cultural de muitos dos produtores desses documentos; assim, para além de milhares de escritos de devotos mais ou menos anónimos, surgem cartas de nomes destacados da sociedade portuguesa e mundial do séc. XX, bem como de figuras gradas da hierarquia eclesiástica.
Será a relevância do que escrevem, e dos assuntos que tratam com a Irmã Lúcia, mais do que a importância formal dos sujeitos na sociedade, que tornam o Arquivo Irmã Lúcia um arquivo histórico de primeira grandeza para uma compreensão não apenas da história de Fátima e da sua mensagem, mas da história eclesial do séc. XX. Retirada dos olhos directos do mundo (a não ser nas raras ocasiões em que os Papas visitam Fátima), a Irmã Lúcia desempenhou um notável papel na sociedade portuguesa do séc. XX, transcendendo largamente o enquadramento em que ordinariamente é considerada.
A recente decisão do Convento de Santa Teresa de Coimbra de formalizar e organizar o Arquivo Irmã Lúcia, permitirá a salvaguarda deste importante marco de memória histórica individual e colectiva, ao mesmo tempo que sugere que se poderá um dia conhecer em plenitude a dimensão espiritual e pessoal de um dos vultos fundamentais do catolicismo do século XX, de quem ainda há tanto por aprofundar.
Nuno de Pinho Falcão
UNILAB; CITCEM/UP